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Edison Farias

A

  o Grupo GEN SINCO, eu assisti, pela primeira vez, na Igreja de N. Sa. das Mercês. O show Eli, Eli, Lama Sabactani causou em mim uma espécie de teofania.

Na época, era sabido que estreara, na Austrália, a ópera Jesus Cristo Super Star. Duas de suas músicas, I don’t know how to love Him e Getsemani, impressionavam-me sobremaneira, pois Madalena e o próprio Jesus buscavam um “porquê” mais do que existencial.

Nesse cenário, o show Eli, Eli, com suas canções autorais e do cancioneiro brasileiro, pegou-me pelas vísceras e neurônios. A grande hóstia feita de alvo tecido, suspensa no transepto da igreja barroca, por meio de finos cabos metálicos, era como uma espécie de anunciação e transfiguração, mesmo que algumas imagens projetadas sobre o redondo écran fossem graves, cruéis e avançadas demais para o próprio contexto católico da época.

O farfalhar das vestes dos personagens, em plásticos coloridos, subiam púlpitos e altares laterais. O canhão de luz passeava por sobre a plateia, iluminando os atores enquanto recortava a estética híbrida contemporânea-clássica, ensaiando, sim, em avant garde – penso hoje –, uma espécie de autêntica new opera.

As canções No Racho Fundo, Expresso 222, Jesus Cristo Onda Hippie (do próprio Grupo), Rosa dos Ventos, Construção e, também, os belos textos literários, escolhidos a dedo por Heleno de Oliveira, ficaram gravados na minha memória por longo tempo.

Dois espetáculos depois, e lá estava eu, envolvido até os cabelos com o GEN SINCO. Atuando na elaboração do figurino ao canto. E assim foi em O Que fizeram do Natal, estreado na Capela de N. Sa. de Loudes, na Av, Governador Malcher. Na interpretação das músicas, fiz parceria com Evandro Diniz e Rilson Cruz. Nos figurinos, tive a ajuda de minha mãe, Enedina Farias. O mesmo ocorreu com o show Auto das Duas Cidades, que se seguiu – e com os demais espetáculos. Foram momentos de marcantes amizades e desenvolvimento de uma cultura bifronte, tanto material como imaterial.

De lembrança do Auto das Duas Cidades, posso citar o granfinale, que somente Elis Regina iria repetir em Saudades do Brasil, anos depois, em 1980 – a grande ciranda a envolver o público no encerramento do espetáculo, com todos cantando cantigas populares do gênero.

Para mim, foi uma verdadeira escola a preparação para o show Montaria – talvez o ápice das montagens –, quando realizamos estudos e fizemos laboratórios de teatro, iluminados pelos textos de Stanislávski e Jerzy Grotowisk – brilhantemente apresentado e cultivado pelo Raimundo Dejard Vieira (Gen, integrante do grupo).

 

Evandro Diniz (outro Gen) mal conseguia fazer “borboleta” com as pernas, pois era completamente travado (rs), não se negando, porém, ainda assim, em nenhum momento, a participar dos exercícios. Jorge Faro era por demais desenvolto e expressivo e, às vezes, por seu empenhado vigor, quebrava algum nariz de parceiro de cena, nos ensaios (como sucedeu com o Alex) – e isso tornava esses momentos, além de cansativos (e “arriscados”), extremamente divertidos.

Sal da Terra foi o show em que o Grupo apresentou somente músicas. Montado o cenário no salão do Colégio Gentil Bittencourt, o aspecto vocal do conjunto de rapazes se mostrava, nesse show, mais aprimorado. O encerramento, com a velha canção de MPB, Menino de Braçanã, era apoteótico. Mas, afinal, o GEN SINCO precisava retomar o drama e a dança, e fazer “mimo” – como se dizia “italianamente”.

Com o retorno do Manu (Emanuel Matos) e com o incentivo do Corrado Martino (novo dirigente do Movimento dos Focolares, em Belém), o GEN SINCO voltaria aos palcos na forma em que historicamente se apresentara no passado. Mais uma vez, então, participei do esforço do Grupo, agora no show Rei Negado.

Recordo que uma das apresentações, no Auditório do Colégio Nazaré, foi filmada pelo Newton (focolarino responsável pelos jovens do período), que registrava, em movimento, a performance do grupo, a qual cheguei assistir. Era precário; mas o vídeo dava a ideia da força cênica e musical da obra coletiva, ali dirigida pelo Emanuel Matos.  A cena em que os jovens usavam uma enorme flâmula, na qual pintei a imagem do “barão” (nota de um mil cruzeiros), trouxe um forte impacto para uma das cenas mais sugestivas do espetáculo.

Hoje, lembro com o espírito repleto de alegria das turnês do Grupo pelas estradas de Belém para Teresina (PI), e pelo ar e rios para Macapá (AP), como uma experiência ímpar em minha vida. A convivência no trabalho de grafar, pintar, costurar, montar, cantar, tendo como fio condutor de tudo o amor recíproco e o cuidado da manutenção do clima de “unidade”, como o ideal mais revolucionário a ser repassado e transbordado nos palcos, era a principal “missão”.

Era uma vida que se construía no dia-a-dia, por certo não tão fácil, mas que sempre me preenchia o espírito e me fazia perceber que, através da arte, se construía algo de positivo para a humanidade.

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