Alex Fiúza de Mello
E
ram as férias de julho de 1971. Alguns amigos, que comigo estavam na ilha de Mosqueiro, a lazer, tinham ouvido falar de um congresso de jovens que se realizaria em um Seminário (S. Pio X) próximo a Belém, e que duraria apenas poucos dias, permitindo retornar à praia antes do encerramento do veraneio. Como era um “lance” diferente, resolvi seguir a “onda”.
Chegando lá, de cabelos longos e calças listradas e coloridas (moda da época), deparei-me com rapazes provenientes de inúmeros lugares (muitos dos quais nunca tinha ouvido falar), de todas as classes sociais e origens culturais, falando de Deus, do Evangelho, da história de uma italiana chamada Chiara Lubich e tratando-me como se já me conhecessem há muito tempo.
Foi um “choque”, logo de saída. Levei um certo tempo para me adaptar àquele estranho ambiente de convivência, outrora jamais experimentado. Dentre os membros daquela comunidade “de iguais” (ainda que diferentes), destacavam-se alguns jovens mais maduros – que eram chamados de “focolarinos” – e outros, de minha idade (ou um pouco mais velhos), que se incumbiam de proferir palestras, cantar e tocar músicas, contar experiências de vida e encenar pequenas peças teatrais. Foi quando, pela primeira vez, deparei-me com o Conjunto GEN SINCO – que naquela ocasião representou, num palco improvisado de um salão, algumas cenas de seu último espetáculo, denominado Emanuel, Esperada Esperança.
Quando retornei à ilha, ainda de férias, lembro-me que não parava de pensar na experiência pela qual havia passado; na perspectiva de vida que me haviam apresentado; e nas figuras de Jesus e de Chiara, que haviam fortemente me atraído, impulsionando-me refletir – talvez pela primeira vez de forma mais profunda – sobre o sentido da existência – ainda que com apenas 15 anos de idade.
Tão logo retornei a Belém, fui ao encontro daqueles jovens que – ficara sabendo – costumavam se reunir em missa diária, numa capelinha (N. Sa. de Lourdes), no centro da cidade. Foi num daqueles dias que um deles (não me lembro quem) me convidou a atravessar a rua da capela e conhecer a sede do Movimento GEN – um barracão de madeira, em terreno murado, que se localizava logo ali, na quadra seguinte –, onde costumavam se reunir – e onde, também, realizavam-se os ensaios do Conjunto.
Não demorou para que eu me engajasse nas chamadas “Unidades Gen” (grupos juvenis de convivência e reflexão), participasse da “Escola Gen” (que era dirigida por Heleno, o focolarino gordo e inteligente que eu havia conhecido durante o Congresso de julho) e viesse a integrar, logo em seguida, o GEN SINCO – do qual participei durante longos anos (pouco tempo como tecladista, mas sempre como “ator” e membro do coral), até a consumação do meu casamento – quando, então, afastei-me do Grupo.
O GEN SINCO era, tão somente, uma expressão daquela vida comunitária. Nunca foi um fim em si mesmo. Ninguém, ali, tinha pretensões de ser artista (cantor, ator, músico, etc.) – embora houvesse muito esforço de todos para expressar, da melhor maneira possível (e apesar de nossas limitações), as mensagens que se pretendia repassar aos jovens e à plateia em geral, que acorriam aos espetáculos. Tudo era realizado com base (e crença) num Ideal, o da vida evangélica, traduzido sob inspiração do carisma da fundadora do Movimento dos Focolares, Chiara Lubich – a quem seguíamos como condottiera e modelo.
Muitos – e ricos – foram os momentos e episódios vividos em comum-unidade, particularmente por ocasião dos ensaios, apresentações e viagens do Grupo. Conheci jovens de todo tipo e temperamento, com quem vivenciei situações de profunda alegria e comunhão, mas também instantes de dor e de desilusão – numa verdadeira escola de vida e de amadurecimento pessoal. De todos e de cada um aprendi muito. Diversifiquei-me.
Aprendi, sobretudo, que ninguém é o centro do universo – ou é “superior”. E que o “reino” da verdadeira felicidade “não é deste mundo” (não provém da posse ou do poder), mas pode existir entre nós, onde dois ou mais se fazem um – a diversidade na unidade – por meio de uma vida de fraternidade espontaneamente partilhada.
Muito do que sou hoje devo a essa experiência: valores, caráter, visão de mundo, ideais e, até, a escolha de minha profissão – pois foi por intermédio do Movimento GEN e de sua inserção em trabalhos sociais (em bairros de periferia, enfermarias de hospitais, comunidades carentes) que fui, sem me aperceber, tornando-me “sociólogo”.
Restaram dessa época, ademais, verdadeiras amizades, até hoje veladas e cultivadas, que atravessaram os anos intactas e inabaladas (mesmo aquelas à distância), de vez que enraizadas em terreno sólido e fértil, de frutuosa e rara fecundidade.
Passados tantos anos, muitos companheiros já se foram (ou permanecem presentes de forma “encantada”), deixando rastros de luz e bastante saudade. Dentre esses, por certo (e com destaque), Heleno de Oliveira (cidadão do mundo e de Santa Clara de Buíque) – a quem devemos a formação inicial, o anúncio do Ideal (da unidade), a introdução ao carisma de Chiara e a dilatação da visão sobre a vida e o mundo, numa perspectiva universalista, escatológica e transcendente. Dele, aprendemos que é preciso “ser para ter”, já que “ter sem ser” é uma “grande mentira” – como ensina uma de suas mais belas canções.
Se, por simples magia, eu tivesse o condão de rever e reprogramar a minha juventude, da forma que eu quisesse, do alto de meus 65 anos confesso, sem qualquer dúvida ou arrependimento, que viveria tudo de novo, sem mudar um milímetro o rumo dessa valiosa, fecunda e (sempre mais) surpreendente – assim me apercebo hoje – trajetória cumprida. Pois como – graças a essa extraordinária experiência – a alma deixou de ser pequena, tudo valeu a pena!