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Sávio com Foco, em Rocca di Papa, Italia

Domingos Sávio Neto

C

onheci o grupo GEN SINCO em uma reunião, no ano de 1976, ainda adolescente.

Fiquei impressionado com o relacionamento existente entre aqueles jovens e o acolhimento aos que estavam sendo apresentados naquele dia.

 Após aquele encontro, fiquei sabendo que o grupo fazia apresentações artísticas como forma de promover uma melhor relação entre as pessoas e os povos, com base nas palavras do Evangelho, e levando os espectadores a uma reflexão sobre a realidade social existente. Nesses anos, ainda vivíamos sob um regime político que cerceava iniciativas consideradas de “cunho político”, julgadas contrárias ao status vigente. Isso me chamou a atenção, pois percebia que, naquele momento, eu poderia aderir a essas ideias, uma vez que existia uma coerência de vida entre o discurso e a prática daqueles jovens.

Fui a uma apresentação do Grupo, no Theatro da Paz, em um musical chamado Montaria, que apresentava, de uma forma muito interessante (e nova para mim!), cenas com interpretações do Evangelho, utilizando como pano de fundo a vida amazônica, sua cultura e sua história – e, nesse bojo, toda a humanidade.

Naquela época, eu estava acabando o meu curso, no ensino médio, de técnico em Eletrotécnica, na Escola Técnica Federal. Após a participação em algumas reuniões, fiquei sabendo que o rapaz que cumpria a função de técnico de som e luzes, bem como de toda a montagem dos equipamentos para as apresentações, conhecido como “Ting”, havia ido embora de Belém para morar em São Paulo. Assim, ficara faltando alguém que assumisse essa função no grupo. Como eu tinha esse conhecimento – devido ao curso que estava concluindo –, fui convidado para participar do Conjunto, justo com o propósito de substituir o Ting.

A partir de então, vivi grandes aventuras, entre viagens e shows, e todas as dificuldades e aprendizados para viabilizar essas apresentações, empenhadas em transmitir, para os que a elas acorriam, algumas reflexões para as suas vidas.

Muitos dos jovens que, nessas ocasiões, estiveram em contato com o grupo mudaram – às vezes até radicalmente (!) – as suas trajetórias pessoais, com repercussão, também, nos membros do próprio grupo, os quais, devido a essa rica experiência, encontraram, inclusive, seus caminhos profissionais. Uns viraram arquitetos, outros professores universitários (em diversas áreas), médicos, engenheiros, etc. Eu senti que deveria seguir na profissão que já estava iniciando, e me tornei engenheiro eletricista.

 

Mas o que mais me impactou em toda essa experiência foi a superação dos diversos obstáculos encontrados e as soluções buscadas para viabilizar a realização dessas apresentações, haja vista a rotineira epopeia para ligar, com sucesso (e diante de todas as dificuldades), todos os equipamentos elétricos, os amplificadores dos instrumentos musicais, do sistema de som e o sistema de iluminação – que produzia um efeito importante nos espetáculos, juntamente com a cenografia montada.

A venda de ingressos era responsabilidade de todos. Porém, a tarefa que cabia a mim, em particular, consistia na preparação dessa infraestrutura, de forma a encontrar um ponto de distribuição de eletricidade seguro que suportasse toda a potência necessária para os aparelhos utilizados. Sempre era um desafio encontrar esse “ponto elétrico” dentro do ambiente onde se realizaria o espetáculo, conforme o local das apresentações. Quando essas se davam em algum teatro em capitais, como São Luís, Teresina ou Belém, não havia essa preocupação, pois esses lugares já eram dotados de todos os recursos. Contudo, como o objetivo era levar o espetáculo a todos e em todos os lugares, portanto, também às cidades do interior – não importa se em escolas, igrejas, salões paroquiais, cinemas (alguns desativados, como o Cine João XXIII, em Macapá, que reativamos com algumas apresentações) –, locais onde havia, inclusive, diferença na tensão elétrica de 110 volts e 220 volts, todas essas circunstâncias exigiam um cuidado maior na instalação dos equipamentos de som e luzes, a fim de não danificá-los.

Muitas vezes a fonte de alimentação elétrica era trazida de um local distante do palco onde se daria a apresentação. Para isso era necessário chegar com alguns dias de antecedência para a verificação e a preparação dessa infraestrutura. Além do mais, toda essa parafernália tinha que caber em uma Kombi, acomodada juntamente com alguns membros do grupo, não raro em longas viagens por estradas entre o Piauí, o Maranhão e o Pará. Outras vezes, era uma combinação de estrada e barco, quando as apresentações ocorriam em cidades como Abaetetuba; ou somente de barco, durante toda a viagem, que durava em torno de 3 dias quando as apresentações eram em Macapá – nesse caso, uma verdadeira “aventura aquática”.

Em algumas cidades, era um verdadeiro desafio encontrar um lugar para as estadias. Na maioria das vezes, éramos acolhidos por famílias que conheciam o grupo. Porém, outras vezes, após o final do espetáculo, aguardávamos tanto tempo por um local para o descanso, que, até serem todos distribuídos, esse descanso já começava na porta do teatro ou do local em que tinha ocorrido a apresentação, sem qualquer conforto. Todas essas dificuldades eram suplantadas, porém, pela experiência do relacionamento que se estabelecia entre todos os participantes do Conjunto.

Mas chegou um momento em que o técnico de som e luzes e o provedor da infraestrutura se tornou “artista”. Devido ao incremento de algumas encenações no show As Sete Cenas de Patmos, foi necessário ter mais um elemento em cena. Como forma de otimizar o elenco, em função das viagens – e devido a espaço e custos –, fui convidado para integrar uma cena, dando-se, aí, a “transformação” do técnico em “artista” – para o que eu havia sido o tempo todo testado, pois preparar toda aquela infraestrutura perante as condições muitas vezes precárias exigia criatividade e muita, muita arte! Passar, pois, de técnico a integrante do grupo cênico foi só um passo, dando-se, assim, a minha estreia, agora não mais somente por detrás, mas em cima do palco.

 

Outras apresentações, desde então, seguiram-se com essa dupla função: técnico e artista.

Hoje me apercebo que muitas daquelas experiências para a minha idade, à época, era uma oportunidade única de crescimento. Talvez poucos jovens tenham tido essa chance de sair em uma aventura por terras amazônicas, apresentando uma mensagem dessa forma, com todas as dificuldades que se apresentavam.

Carrego toda essa experiência comigo, os relacionamentos estabelecidos e os desafios enfrentados, que me servem até hoje de referência, quando me deparo com situações semelhantes – guardadas as devidas proporções –, tanto na vida profissional, quanto no dia-a-dia.

Posso afirmar – sem ter tido plena consciência disso, naquele momento – que tudo foi uma preparação para a vida; uma experiência que aproveitei e aproveito, ainda hoje, quando confrontado com alguma dificuldade que me exige ora a faceta de técnico (pela profissão de engenheiro que abracei), ora a de “artista”, na desafiadora relação com o "palco" da existência. Afinal: “Viver é uma arte, o mundo é o palco e, para existir o espetáculo, três coisas são essenciais: uma boa história, um bom artista e uma entusiasmada plateia” (autor desconhecido).

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